sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Bruno Borne expõe na Galeria Lunara

A Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre inaugura no dia 16 de setembro, às 19h30, a exposição do artista Bruno Borne na Galeria Lunara.
A exposição, intitulada Seção Invertida, apresenta uma instalação específica para o local, em que o artista trabalha com animação em computação gráfica. A animação projetada consiste em sucessivas vistas do fundo da sala, completando o trecho recortado pela tela de projeção com uma imagem que, supostamente, deveria estar ali.Bruno Borne é arquiteto e artista visual graduado pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Como artista, costuma fazer uso de projeções de animações digitais, relacionando computação gráfica com a arquitetura e as especifidades do local. Em seus trabalhos, Borne procura discutir questões relativas ao espaço e à virtualidade, utilizando recursos como a reflexão e o mise en abyme. Também produz profissionalmente ilustrações e animações para o mercado de arquitetura, tendo atuado em estúdios de destaque no Brasil.

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Abaixo, texto assinado pela professora e crítica de arte Paula Ramos sobre a exposição Seção Invertida.

Um exercício de dúvida

O escuro e condensado ambiente da Galeria Lunara guarda várias especificidades, a começar pela sua antiga função: nele era armazenado e dispensado o carvão, matéria-prima para a usina que operava no local e que dá nome ao complexo administrativo-cultural gerenciado pela Prefeitura de Porto Alegre. Trata-se, igualmente, de um recinto expositivo que requer um diálogo com o próprio espaço, com suas singularidades arquitetônicas e com as relações estabelecidas com o espectador, uma vez que este é convidado a circular pela cavidade afunilada da tremonha tendo como anteparo finas, e aparentemente frágeis, passarelas metálicas. Apresentar um trabalho artístico de fôlego na Lunara demanda, portanto, um mergulho interpretativo e fenomenológico nas questões do próprio espaço. É o que Bruno Borne faz com sensibilidade, agudeza e competência.

Seção Invertida, título da instalação site specific de Borne, é composta, basicamente, de três elementos: (1) uma tela branca, esticada na parte inferior da pirâmide invertida que domina o espaço, (2) um projetor de imagens, junto ao teto e exatamente sobre a tela, e (3) uma animação, articulada a partir de sucessivas vistas da mesma concavidade, que completaria, de certa forma, a estrutura interrompida pela tela de projeção. No entanto, uma vez que o vídeo traz uma simulação da própria tela e, não somente isso, é composto de uma animação dentro da outra, o que Borne nos traz, na verdade, é a idéia do mise en abyme. Podemos traduzir a expressão francesa como “cair no abismo”. Adotado fartamente na literatura, no cinema e nas artes visuais, tal efeito explora as possibilidades de estranhamento a partir de um retorno da obra a ela mesma. No caso de Borne e, em especial, de Seção Invertida, essa sensação é ainda mais intensa e perturbadora, uma vez que o espectador está diante de um espaço real, diminuto e côncavo, no qual é projetada uma imagem virtual que guarda relações inequívocas com o primeiro. Por outro lado, como a ilusão se completa melhor quando se prepara uma situação na qual ela é esperada, o exercício da vertigem é pleno. E isso se deve tanto ao fato de a projeção se dar no orifício que se abre aos pés do espectador, forçando-o, portanto, a observá-la de cima para baixo, como ao fato de a instalação explorar a nossa dupla realidade perceptiva das imagens. Nesse sentido, o que temos aqui é também um exercício de persuasão e retórica, que engolfa o espectador num cenário real, mas ao mesmo tempo projetado.

Étienne Souriau nos lembra que, para a Estética, o espaço é pensado a partir de três pontos: existe, de um lado, o espaço da existência material, compreendendo, no caso das artes visuais, o ambiente no qual a obra é exibida e os espectadores estão; de outro, há o espaço diegético, correspondente ao local no qual a ficção da obra se realiza; e, por fim, há o liame entre os dois. De modo simplificado, podemos dizer que há o espaço real, o virtual, com toda sua existência em potencial, e o cruzamento entre os dois. É justamente a partir dessa terceira situação que Borne opera, explorando as possibilidades de coincidências, recortes e enquadramentos oriundos do diálogo entre um ambiente arquitetônico e as simulações que produz. A identificação das semelhanças e diferenças entre essas duas conjunturas, a real e a diegética, fica a cargo do espectador. É ele quem, chamado a se relacionar com a obra com toda a extensão de seu corpo e absorvido por sensações que, num momento imediato, provavelmente não conseguirá compreender, terá sua experiência re-significada e ampliada. Assim, na ambigüidade e na imbricação de conceitos e linguagens, Bruno Borne nos oferece uma possibilidade de oxigenar nossas percepções, amainar as certezas e intensificar as dúvidas, lembrando que, como diria Bertolt Brecth, das coisas seguras, a mais segura é sempre ela, a própria dúvida.

Paula Ramos
Crítica de arte, professora junto ao Instituto de Artes da UFRGS

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